domingo, 5 de março de 2023

Clima

No alpendre da casa caiadinha, olham pra além do terreiro e do cercado. A mulher pragueja a geada que matou o pasto da criação. Coisa do dianho, deveras! O homem resigna-se a consolar a esposa: tende fé! Que Deus é bom, mas o Diabo também não é má pessoa.

domingo, 16 de maio de 2021

a palavra pequenina que fala ao coração e ressoa no eu sou... 
hoje, sim. 
hoje, sim. 
hoje, sim.

do barro que jorra do peito em prolixismos intermináveis, vem a força que me prende ao chão. 
eu sou. 
eu sou.
eu sou.

a linguagem dos sórdidos, dos santos e dos sãos. adoecidos os fazeres, os pensares e olhares, a telúrica e infinda roda dos miseráveis. 
nunca mais.
nunca mais.
nunca mais.

são os dias dos homens mais frios, estagnantes, indistinguíveis entre os horrores ensaiados da epopeia
celestial. 

esta guerra que não escolhi.
esta guerra da qual não posso fugir.
esta guerra em mim e nos outros.

porque somos o que somos e, por enquanto, um.

nenhuma luz, neste etéreo.

apenas o leve incômodo. o nenhum amor. o peso de quem, tão cedo, não voltará.

quantas vezes sim?

quantas vezes em mim?

melancolia é doce fino em uma tarde de café.

sábado, 15 de setembro de 2018

Ideal

corre em gatarias
pula . garras afiadas
remanso no olhar

* tanto tempo sem escrever; meu primeiro haikai.

sábado, 14 de setembro de 2013

CATAVENTO

Antes eu bem te sentia: sopro de brisa ou vendaval. Sentia e ouvia o teu zunir, mas não te enxergava. Hoje vejo esse tropel de cores no catavento em que te prendi, fazendo coro à bagunça que deixastes nos meus cabelos, na minha cabeça, em mim. 

Brincas ainda de derrubar latas, levantar saias, arrancar telhados.

Furacão. 

Mas, porque te vejo, és minha: ventania.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

paisagem




um mar sem rio que lhe desaguasse
areia.
Grãos de areia;
tantos e únicos grãos de areia
imperceptivelmente diferentes entre si,
cada um dos grãos se move
movem-se discretos numa
ONDA-MASSA sem cor.

Grãos de areia, são.
São areia.
Um punhado em mãos, é, ainda, o todo, Areia.

Centelha
Faísca
Belisco ardido do sol.
O Astro-rei grita no azulzíssimo céu e
se languifaz... lambidas... labaredas escorrem aos litros desde as paredes mais longínquas do deserto.
Aproximam-se.
Demoram-se.
Enamoram-se.
Adormecem em cada pedaço de chão.

Menina de boca gigante.
A tudo devora e não enxerga
:
são apenas grãos. 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

MELAGKHOLIA


me.lan.co.lia. sf. Estado de humor caracterizado por uma tristeza vaga e persistente.

BILHETE
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
(Mário Quintana)

Baixinho, baixinho assim eu não te ouço, nem o teu gemido e nem o teu sussurro. Baixinho, baixinho assim eu não percebo nem o teu pavio curto e nem o teu carinho. Baixinho fica dificil de ouvir teu elogio, se me tem febre, se me  tem saudade, se me tem orgulho. Baixinho que nem segredo e escondido assim, parece ilusão de festa, parece que termina quando o dia nasce. Deixa eu puxar seu ouvido para o canto e confidenciar esse desastre que é o meu coração, dizer que aqui dentro pareço uma menininha insegura que tem medo de ter aberto uma frestinha pra você entrar. Apesar de ser assim uma mulher forte e confiante, que samba no meio da roda, que chama pra sair, que deita sem pensar, que chora ao mesmo tempo que ri. 

Ainda assim toma conta, cuidadinho, com esse instrumento de trabalho, com esse ganha pão, sem ele não tem vida pra amanhã, ou sorriso e nem espera, sem ele pode faltar luz e a vela, eu decidi não trazer desta vez, arrisquei, abri a janela. Baixinho assim parece silêncio e com esse deus eu já briguei, discuti, esperneei.

Silêncio para que me ame bem alto, entre buzinas, fanfarras e passarinhos.  

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Melancholia

Eram freqüentes os dias em que, estando quietos na cama, eu suspirava e dizia: "É tão difícil, né?". Em cada uma das vezes, ele perguntava: "O quê?"

Decerto não percebia que eu já tinha aquela frase como uma interjeição; escutava-me sem ouvir. Também é possível que indagasse esperançoso de que a resposta mudasse algum dia.

Contudo, sempre respondi a mesma coisa: "Viver."

Dito isso, eu o abraçava forte ou beijava-lhe o rosto de leve e pensava (apenas pensava): "Ainda bem que tenho você pra viver comigo!".

Talvez ele não quisesse morrer comigo.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Presumia-se um eterno na desordem do "eu te amo"
que se confundia à desordem dos armários,
então, é natural que sempre fique alguma coisa
que se deixe algo para trás

trouxe um coração, partido, que te pertencia
as mágoas que ninguém queria
mas deixei um vazio que se preenche com as coisas do dia-a-dia

vez ou outra, te peço o esquecido
aquela parte deixada, na pressa da despedida

só o que não esqueço, é o pra sempre perdido...


sábado, 3 de novembro de 2012

Samba do não querer

É... acabou, amor
Não tem mais volta, não...

Não, não acabou o amor
Mas também não sobrou alegria
A vontade de fazer folia
adormeceu na última estação...

Não te quero mal
mas não te desejo a felicidade
pois fere a minha vaidade
te ver feliz sem mim

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Postelunar


Avistar a lua, quando a lua estiver
Entender o poste, se um poste houver
A cada coisa seu peso e medida
Nem mais, nem menos

E a nenhuma pessoa, o amar desmedido

Tudo contido, marcado, pesado
Tudo pesado, quando a lágrima contida
O riso contido, se a carne marcada
Nenhuma métrica para a despedida

Que a lua é a esperança do que era poste
E o poste, a lembrança do que não foi lua
Deitar poemas ao vento, à madrugada morna
Se dorme na calçada de alguma, qualquer uma, rua

E a nenhum amor, os versos sonhados

Não sejam de ninguém e que ninguém os ouça
Que o resto de fel, escorrendo à boca,
ensurdeça, emudeça, enfraqueça
a língua amor - e que ela morra, sem mais nem menos.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Ciclo sentimental em fragmentos

INV[f]ERNO
1- Falar sobre o que?
2- Precisamos deixar claro sobre o que estamos falando.
1- Estamos falando de dilaceramento, de aprisionamento, de auto complacência.
2- Sem auto piedade, por favor!
1- Um dialogo entre o dramático e o épico. A cisão entre as químicas do corpo, o nosso desejo e as nossas demências.
2- E o amor?
1- Amor, desejo, doença entre corpos.
2- Doença.
1- Demência.
2- Esse espaço vazio transformado num corpo. As mãos que riscam essas linhas são as mesmas que tocaram, transaram, gozaram...
1- Estes pés que guiam a direção deste desenho são os mesmos que guiaram ele até a porta da casa do sujeito.
2- Essa cabeça, essa demência que planejou esse desenho é a mesma cabeça que cadencia a obcessão de um pensamento que o aprisiona num outro que já não existe mais.
1- Esse é o corpo que fodeu!
2- Fodeu!
1- Fodeu!
Juntos FO-DEU!
1- Agora chegamos aqui no lugar onde queríamos chegar, no centro vital, no drama, na metalinguagem.
2- No coração.
1- Agora esse lugar é o meu coração.
2- O meu coração.
1 - coração.
2 - um coração.
1- O coração de qualquer um.
DEPOIMENTO
Agora esse lugar é o meu coração, aqui me encontro com o que me fragmenta, com o que me envenena. Eu tenho a urgência de um Dark Room vazio que ecoa e evoca a violência do seu silêncio nessas paredes.
Ele foi embora numa tarde de domingo sem sentir, sem tocar, sem olhar, dizendo que não sabia:
- Você não quer mais namorar comigo?
(pausa)
- Responde!
-Não sabe? Não quer? não pode mais?
Naquele dia e depois daquele dia é o teu siêncio que alimenta a minha impaciência, a minha raiva e a minha incompreensão.
É por isso que eu preciso te matar, te matar na ocupação das horas vendidas para o sistema, nas tarde de corrida no parque, na cena, no palco, no teatro.
rasgar tua garganta e deixar jorrar palavras, sanguineas, vermelhas, hemorrágicas.
perfurar teu pulmão e permitir que o som ecoe,
esganar e arrancar esse tijolo da sua boca,
essa parede intransponível que você edificou com o seu silêncio de concreto,
com o seu cuspe de cascalho,
com os seus dentes de ladrilho.
Esse lugar é o esgoto da minha sentimentalidade, o amor aqui é escoado feito bosta fétida pelo chão,  o mijo é uma espécie de lágrima apodrecida que escorre pelos encanamentos até desembocar em mim.
Esse lugar é o meu coração, oco, solto, morto no qual o seu corpo flutua anímico, apodrecido e silencioso.
ESSA É UMA MENSAGEM DE CELULAR: "eu não sou mais apaixonado por você"
"lanço-me,
atiro-me,
vomito-me,
venero-me,
nessa cidade desencontros
fracos, inconstantes, entre tantos
viro-me no avesso, do avesso de mim mesmo
não me reconheço
afago-me
afogo-me
cuspo-me
entrego-me
e desapareço
nessa cidade desencontros
fracos, inconstantes, entre tantos
fátuos prazeres, corpos, desejos quereres,
necessidade vira encontro"
PRIMAVERA
22 de setembro encontro transcedente com as foraças primitivas da minha alma. constatação. "EU SOU NATUREZA"  
REENCONTRO COM A PAIXÃO.
A paixão chega
me atravessa
a paixão chega
me descompassa
me deixa em festa
a paixão chega
me para
me cura
me testa
tira os meus medos
me deixa em festa
entra
pode entrar
chega devagarinho
pisa de mansinho
destranquei
a porta pra você
entrar
E nessas noites de lua
dentro de mim eu sinto o meu peito pulsar,
o tesão queimar,
eu sinto um jeito macio e gostoso de respirar.
respira
respira
respira
Esse coração que respira, se abre, se destranca, se faz presente na sua pequenês de orgão regenerativo, de símbolo ativo de resistência, um pólo radioativo de mim mesmo.
é esse o coração que te saúda.
é esse o coração que te saúda.
é esse o coração que te saúda.

entra
pode entrar
chega devagarinho
pisa de mansinho
destranquei
a porta pra você
entrar
Não espere,
os ciclos são,
onde você está.
luta,
luto
fruto
pulso
incongruente
demente
presente
naúsea
do fato em mim
sem verões ou outonos
o presente se faz
acontece
explode
em frenesi.
Esse texto é uma obra inclonclusa, ciclica e sem constatação. Fecha aspas.

domingo, 16 de setembro de 2012

...

mente, o passarinho
cantando que bem me viu
num dia tão clarinho
comecinho de estação

da água que chovia, passarinho não diz, não

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Deixa

estão trêmulas, as mãozinhas em prece;
esperam passar -  e ficar - o amor...
tão apertadinhas as mãos quanto o coração
ao sentir que outro par os toca e penetra
(sem nada deixar)
com quem estará o anel?
deixa!
há de quebrar...

sábado, 4 de agosto de 2012



Ninguém vai entender isso: esse foi o ano mais feliz da minha vida. A compreensão é mesmo difícil de ser alcançada "Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma"... e quando não entendemos a palavra que sai de nossa própria boca, distorcida, turva, má? Ninguém vai entender isso. Mas haverá sempre o amor e seus derivados, raiva, medo, culpa, frio. O amor e seus derivados, aconchego, carinho, abraço, um nadinha que faz feliz. Não há compreensão possível, talvez aceitação. Mas amei todos, sem exceção, neste ano mais feliz da minha vida.


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Em São Paulo

final de tarde
garoa cai
a luz se esvai
o peito arde

vontade te ver
mais perto, esquecer
o errado e o certo
ser toda deserto
entregue ao sol

domingo, 6 de novembro de 2011

Procissão

I.

Santos saem dos oratórios,
meninos,
crianças,
senhorinhas,
velas amarelas,
canto entoado na seda da noite quente.
Passos que caminham e murmuram
pelas ruas centenárias do mártir,
do louco,
do homem pleno.
As pedras do caminho
ecoam sons negros,
gritos,
balidos
na noite alta.
Marília,
Barbára,
Gonzaga,
Joaquim,
Silvério,
Cláudio.
Senhoras com seus véus
audazes
- que esquecem os banidos,
ignoram
os parvos,
degradam
a memória
dos sem espíritos -
com suas vozes
vorazes,
velozes,
atrozes
em suas penitências,
em seus pecados,
em suas sandálias
deixam soarem os sinos das igrejas
escandalosos
sobrepondo os ecos
noturnos
das pedras douradas.

II.

De dentro da igreja saem negras
robustas,
senhoras augustas,
sons eloquentes,
Glórias!
Vivas!
Memórias pendentes.

Evocação

I.

"Não chores tanto, Marília,

por esse amor acabado:

que esperavas que fizesse

o teu pastor desgraçado,

tão distante, tão sozinho,

em tão lamentoso estado?"

A bela, porém, gemia:

"só se estivesse alienado!"

Cecília Meireles


II.

"Marília, tu chamas?

Espera, que eu vou!"

Tomás Antônio Gonzaga


Pelas portas que adentrei conheci Vila Rica, aquela protegida pelo gênio original

-Tomás Antônio Gonzaga, o exilado, e sua casa,

casa de mil portas,

casa de mil ares.

Marílias se descortinam

em horizontes e janelas.

Marília efígie de rosto virado,

passarinho

que revela tempos idos.

Marília doce amada do poeta,

esquecida,

extraviada,

trocada.

Marília nos morros,

Marília na vista,

revista,

transfigurada,

deixada.

Marília, imagem

deformada,

empoeirada

que regressa

nas quadrinhas

bobas, apaixonadas e

insubstanciadas de verdade

no peito de um triste pastor que anseia por escuta.

Marília centenária.

Marília encarquilhada.

Marília eterna.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

...

os laços desfeitos
são nós no peito
de quem ama
pensamentos que nos consomem
até mesmo à cama
cingem a alma ao corpo
e fazem-nos mais sós

pobres de nós
amantes desamados
fadados ao esquecimento
atados a algum momento
que desde já era senão
futuras lembranças
a certeira distância

pobres, perdidos

soltos na linha do tempo

terça-feira, 13 de setembro de 2011

...

o meu amor é feito de urgências urgentíssimas!

pressa de te ver me vendo ao teu lado mais um dia;

pressa de nunca acabar as noites de adormecer contigo;

pressa de amar à exaustão e jamais me cansar de te amar e te amar e te amar e te amar e te amar

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Chuva

vem, chuva
pra me molhar

lava minha alma
leva minhas mágoas

vem despertar
a semente guardada

a telha calada
o desejo de amar

rega meu corpo
o ar quente e seco

a planta no vaso
querendo brotar

vem
desagua nestas terras

vem
me enlamear

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Jogo da memória

Perdi o rumo
         o prumo
         o jogo

por ter encontrado
imagens que você não esquece, não

Do que adianta ocultar dos olhos o que não sai do coração?

Vontade me desprender da vida
                                    da rima
                                    do sonho

pra ver se me encontro,
só pra me ver, talvez mais perto de você

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

...

Para o meu irmão de canto,
Murillo Marques

Uma manhã é feita de muitos fios, de muitos cantos. A tarde tem seus encantos, mas é no quando nasce o dia que mora a real poesia. A noite é boemia; dos ébrios, a ilusão. Mas há que ser bem poeta quem de manhã desperta em busca de ganhar o pão e desde já lança o canto que ilumine e teça a rede que nos liberte da opressão.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A mesma estação

Dá-me calor, frio, flores e vendavais; 
vem e te recebo: hoje ou nunca mais

Sempre, porém, do mesmo modo
Como retornam as estações, e se vão

A próxima parada, a vinda
o ah! Deus! e a chegada...

Então é assim?
O nunca acaba e o jamais tem fim?

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Esperando... (inspirado em Becket)

(uma repartição pública, dois namorados, uma explosão, um barulho de vidro trincando e uma samambaia seca)

- Nada a fazer!
- O que?
- Nada fazer! (pausa vazia)
- Eu te amo. (pausa e eles se olham)
- Perdemos o bonde, ele passou. (aflito). O bonde se foi (perdido)
- Eu te amo (pausa e eles não se olham)
- A gente devia ter aproveitado enquanto ainda existia o tempo e o mundo ainda era um espaço e ter pegado o bonde até Paris, (maravilhado e sonâmbulico) poderíamos ter pulado da Torre de mãos dadas em cima das cabeças dos namorados franceses.
- Eu te amo (pausa)
- (ele o olha assustado, seco e indiferente) Eu também.
- Então vamos para casa. (pausa)
- Não podemos sair daqui, estamos esperando...
- O que?
- (irritadíssimo e descrente) L'amour.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

das carpideiras

ninguém para chorar amor tão pequeno
morto pelo próprio veneno
de não saber amar
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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Cozinha II

Sempre faltam ingredientes para o algo chamado Vida
E nunca se tem receita certa para o algo chamado Amor.
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Cozinha

(porcamente inspirado na belíssima Alice Ruiz)
dias de quibebe, noites de quiabo
flores, orquídeas e gérberas
sorrisos de
dentes de alho
tormentos, choros, lágrimas
debaixo da terra como nabo
raiz forte
mesa quadriculada
incenso de macela-do-campo
pote de geléia
e gerâneo
sumo de dor eloqüente
fritado e uivado com cebola roxa
óleo quente
bote
serpenteado
falta de sal grosso
falta de caralho
falta do seu gosto
falta do meu parco avental
molhado e suado
de Hilda Hilst
cantado e melado de Alice Ruiz
sujo e fedido de
Adélia Prado
de te acender velas Colasanti
de te ler Flores Belas
(daquela mesmo que esse som possa te ter lembrado)
falta de te sentar nessa cadeira
e te reler toda minha vida
numa nota dissonante
do tempo perdido
na cozinha
preparando
dias de chuchu
sem tempero e sem orvalho,
lacrimado.
Vendo o vento levar o cheiro
o fio do cabelo,
o semblante
a suculência tardia
do coração de galinha,
derrubar a jarra de suco
de frutinhas vermelhas silvestres
que eu com tanto gosto
apanhei
e preparei
para esperar um dia da tua vida.

sábado, 23 de abril de 2011

Onde tudo começou

O poeminha que segue foi escrito em 1997, no meu último ano do Ensino Médio, durante as aulas de Simbolismo. Um pouco pesado nas aliterações e assonâncias, tal como pede o estilo; um pouco sombrio no tema, como tudo o que fazem os adolescentes deprimidinhos, rs... 

Sinistros Sons

Aparente cintilante sinfonia desvairada
Quando for, leve consigo este inferno
que, tolo, insiste habitar meu ser
Antes, porém, repouse! boa estada!

O rio que lacrimoso corre o leito,
grita as marcas mais profundas,
Segue atraente flauta indiana
Tal qual surdo murmúrio do vento.

Numa hesitante certeza, então vejo,
Um orgástico som balançar
este manto azul que nos cobre...
Azul-marinho... negro, sem único lampejo.

"Diamantes no manto costurados,
Juro agora, vos almejo."

À alquimia negra, tênue soa no ar.
Vagarosa, a dor devora a fome,
enquanto as vísceras são dilaceradas.
Eis Lúcifer a me guiar.

Não a quero mais por perto, sonora magia
Vá embora, maldita!... radiosa!
Com tanto afinco lutou que...
... exicial, por fim me acaricia.

domingo, 17 de abril de 2011

Sobre o bálsamo


§

Então... é aquilo:

- o bálsamo não tem um valor místico.

Era preciso tomá-lo nas mãos, passar com cuidado e vigor sobre as feridas e, por fim, mastigá-lo amorosamente, deixando escorrer o sumo entre os lábios.

Mas você o deixou na caixinha, e por certo perdeu a fita negra que a envolvia...

- pode apagar seus escritos, pode apagar seus tantos nomes e mesmo queira apagar sua vida: porém, não apague;

- a mim importa que derramei lágrimas sobre suas mãos trêmulas - ritual de batismo desde o qual e para sempre terá um único nome: AMADO. ------------------- Ainda que recuse ser amigo, ainda que recuse ser amante.

. é isto:

- o bálsamo era o meu corpo.

Mas você o deixou na caixinha...

§

(abril/2006)

domingo, 20 de março de 2011

...

Será que nunca me amou ou simplesmente não me ama mais?
Aqueles nossos momentos, terão ficado pra trás?
Nalguma noite recordou as lembranças que me assolam os dias?
Não sei dizer. Não sei supor. E quer saber? Tanto faz

quinta-feira, 17 de março de 2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

Tempo

Porque quando faz calor e o sol brilha, há o imperativo de ser feliz.
Apenas o céu nublado e a garoa fina nos dão o direito de chorar por mágoas presentes e futuras.
05/02/2011

terça-feira, 15 de março de 2011

Sísifo

às vezes, a gente pula
às vezes, a gente cai
pode ser um mergulho ou um salto
um tropeço
e tanto maior é a queda
quanto mais se estiver no alto
o fim do orgulho
o começo do fim
a leveza e o peso
um amor que se esvai

sexta-feira, 4 de março de 2011

sábado, 26 de fevereiro de 2011

...

esqueço aquelas dádivas e este abandono
enquanto murmuro as cantigas
com que me embalaste o sono

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Filosofia

"Oh! sejamos pornográficos"
Cena do filme Une Liaison Pornografique, de Frédéric Fontayne, 1999.
 
Há mais luxúria e devassidão
entre o visto e o suposto
do que sugere minha doce pornografia.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Homem Urbano I

Dia de inseto, esmagado pelo mundo.
No adestramento do dia que segue, o mundo coloca o homem em seu lugar, no limiar da proibição velada da liberdade de pensar o homem sente-se dono do seu caminho, limpa a bunda com as cartas de amor que ontem escrevia para o destinatário silêncioso da ausência.
Felicidade de concreto é o relógio pontual na mesa do patrão, consentimento ao que se pensa custa caro para o bolso do patrão. Absolvição da trangressão é a morte do patrão.
Dia de inseto transfundido para homem, pequenês de pigmeu choca a invisibilidade do mundo gigante dos seres humanos. Dificuldade de minhoca é não ter mão para limpar a boca.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Palmas

Chegou o verão
e o
sol se pôs,
no passado
das ondas quebradas
pelo canto
ignóbil
gélido
e
cândido
da
gaivota triste.
Nas tentativas de ser,
a ressaca moral
tangível
e
efêmera
entorpece
os casais que observam
o
oceano em silêncio.
-Silêncio.
A
comunicação dos corpos
se põe em cores outonais
com a queda
frisante
do astro
no fosso avermelhado
do mar incandescente
a verborragia
da incompreensão
cintila com
as estrelas
na primavera do infinto.

"Em silêncio te amei"

"que a vida é breve, e o amor mais breve ainda "
Mário Quintana


Em silêncio te amei,
esperei, desesperei, desisti...
quase morri,
só porque te matei, aqui, bem dentro de mim.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Saldo

"Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse “para onde estamos indo?” - não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rígido, desprovido de qualquer dúvida: 'estamos indo sempre para casa'".
Lavoura arcaíca - Raduan Nassar


O tempo senhor do destino se encarrega de readequar os propósitos da vida. Era assim que eu divagava e me distanciava de tudo aquilo que um dia me compôs, numa quase noite de réveillon eu percebia como o dia, que antecedia o nascimento de um ano bebê, morria.

O ar se condensava e o tempo se estendia em fatias espessas me obrigando a olhar para minha vida, de repente um telefonema. Eram as contas sentimentais que eu protelava tanto para acertar com aquele que um dia partiu sem saber o quanto me doía agora e sempre a falta que seu lugar à mesa de homem da casa fazia.

Eu tentava não embargar a voz e me mostrar o mais forte que eu conseguia, não podia me dar ao luxo de sentimentalismos toscos em plena véspera fúnebre de morte e nascimento, os compassos do relógio espalhavam minhas lágrimas na cadência desordenada de um tic tac sem fim, era uma bomba prestes a explodir, era uma agonia de morte e um sopro de vida.

No computador surgiam as inúmeras ramificações do passado e o presente se transformava em incerteza pelas coisas que fiz, pelas coisas que deixei de fazer e pelas coisas que eu não poderia mais me arrepender de ter feito.

O tempo senhor do destino se encarrega de readequar os propósitos da vida - nessa falta de raiz, nesse chão arenoso e movediço eu procuro calcar a estabilidade que protela em chegar, minhas dividas sentimentais me assolam - é hora de morrer ano sangrento! - é hora de quebrar a linearidade do tempo num pequeno átimo de metafísica que transforma o velho em novo, o número 23:59 se torna 00:00, um choro derradeiro, um passo para o espaço e a obrigatoriedade de sonhar. É tudo novo de novo e de novo num ciclo sem fim, deve ser a tal 'vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro'.

Eu tenho medo do relógio não virar dessa vez, do agonizante vegetar, da fada da prosperidade esquecer o número da casa onde eu estarei esperando sua visita, do feto nascer morto.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

sem poema

desde que amo e tenho sido amada,
já não penso
em sílabas poéticas;
basta-me a fonética
dos teus sussurros e dos meus gemidos
assim
confundidos
numa só respiração:
eis a minha inspiração;
sem poemas e sem prantos
apenas todos os dias e o encanto
de ser tua e seres meu.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Atrito



atrito: sm. 1. Fricção entre dois corpos. 2. Deisnteligência, desavença.

"Flor, minha flor
flor vem cá."
Grupo Galpão - Romeu e Julieta
Estávamos parados olhando para aquele horizonte negro que se abria no terraço da casa, a cidade inteira brilhava no espaço corrosivo do silêncio.
- Você quer uma cerveja?
- Quero.
- Você está bem?
- Estou.
- Vamos conversar?
- Aham.
- Fala alguma coisa.
- Ah, sim sobre o que você quer falar?
E era nessa sucessão de sins, e de agradabílissimas respostas que vertíamos o silêncio em repetitivos rodeios de cortesias. Eu não queria a cerveja e ele não queria falar, o céu queria ser noite e a noite trovejava incessantemente raios de silêncios que afastavam cada vez mais aquele pequeno espaço entre as duas cadeiras colocadas diante do infinito.
Eu pensava no mundo que se descortinava em contradições dentro dos meus pensamentos e todos os nãos que precisavam ser ditos fugiam da materialidade do som da minha voz, me perdia na abstração de sensações e nas muitas implicitudes que rondavam a minha falta de verbo - eu queria dizer que eu não consigo dizer não, eu não consigo brigar, eu não consigo lidar com as situações de desespero e de conflito, por isso eu aceito. Eu sou esse apanhado de nãos que não se materializam, eu sou o conflito interno que não se propaga. - Diante dessa lua imensa nos acariciávamos e sorríamos para o nada, engatilhavamos muitos assuntos para abafar o ruído do silêncio e fazíamos planos de cruzeiros pelas águas do Pacífico. Era perfeito sanar o tédio com miraculosos planos de vida que pressupunham um futuro, era no depois que transbordávamos a amplitude das dissonâncias do hoje, era sempre numa espera que alimentávamos a felicidade e que esquecíamos as nossas competições - eu queria dizer que eu não vou falar algo que você não queira escutar, justamente porque você não quer escutar eu não falo, tento amenizar meus pareceres e tento abrir a escuta para o que eu não ouço de você, mas eu não ouço nem mesmo os seus defeitos ou o que te torna humano, você não transparece, eu não transpareço, nós ficamos então na linha da perfeição, daí falta atravessamento, construção em conjunto, falta dueto no videokê e na vida, falta a falta, a saudade, e as fraquezas da carne que a saudade proporciona mesmo que essas fraquezas aconteçam no mundo subterrâneo da sua mente - eu gostava de abraçar você nos meus momentos de intempéries, eu sorria para você na inexatidão do meu sim, a gente transava na contradição das nossas idealizações.
- Vou pegar outra cerveja.
- ...
- Você quer?
É claro que eu não quero cerveja, eu nunca gostei de cerveja, eu sempre te enganei.
- Você quer?
- Traga a mais gelada.
E num sorriso voltamos ao ato amoroso de observar as malditas estrelas etílicas que reluziam na lata de cerveja.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Conto sem fadas

O herói desleal e uma princesa sem virtudes.
Uma ideia falsa e a má atitude.
Juntos no descaminho
- mais e mais distantes -
sozinhos.

domingo, 14 de novembro de 2010

Prosa sobre os olhos da amada

Antes de cruzar a soleira, portando uma valise e as carnes frias, arrancou, da própria face pálida, os olhos azuis de tempestade e os repousou sobre o criado-mudo. Sentenciou-lhes que não mais chorassem e que cuidassem do amado. Só então, pôde partir - cega - rumo ao desconhecido. O marido, que fora bom, compreensivo e raras vezes infiel, ao deparar-se com os olhos lacrimosos sobre o móvel, entendeu sem bilhete que desta vez não haveria volta. Adeus, amada. Sabia, também, que os olhos herdados eram desobedientes e continuariam a verter águas por tempo indefinido e acabaria por perder toda a mobília e os carpetes e os eletrodomésticos e o que restasse de valor. Por isso, foi com singular prazer que os levou à boca e, sem dificuldade, macerou entre os dentes os olhares incômodos, estrangulando as imagens da amada.

sábado, 13 de novembro de 2010

Uma fala à procura de qualquer personagem

— Olhe
vou lhe dizer uma coisa
mas não se acabrunhe, não
não se avexe
não é ofensa o que lhe faço
Tu é, em minha vida, uma moléstia desgraçada
um mal que nem Lázaro há de ter sofrido tão grande
cacei os santos tudin' e nada de alento
simpatia, encruzilhada, reza braba
tu é doença, mulher...
Mas, veja bem,
essa prosa é trova remendada
o que eu vim lhe dizer
e não se aperreie se lhe digo
é que ainda lhe quero bem, visse?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A queda

"Naturalmente nunca é fácil viver" 
Albert Camus


Com ares de apaixonada - sem objeto de paixão - seguia rumo ao nada, talvez, sua libertação. Ruidosos passos correm a ponte como se houvesse pressa ou espera. Ninguém escuta os passos. Nenhuma pessoa ouviu o silêncio do coração em que se gestou o ato, a lágrima, o salto.



 

terça-feira, 26 de outubro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

Vida

que meu verso seja livre
sem tema ou temor
e em sua rima escondida
neste instante, ainda
recuse a sina e o refrão

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ciclo

"Ah, o amor é um capitoso vinho,
que nos embriaga,
que nos embriaga com um só pinguinho."

Furacão furioso que corrói a calmaria dos campos.
Tempestade intempérie que amolece o barro da terra e funda a orvalhada nesse chão de incertezas.
Em minutos se faz a calmaria, cheiro de terra molhada, mormaço, céu alaranjado e um clima de possibilidades propícia o desabrochar, as gotas embebedam a semente, enraiga-se a sensação de pertencimento e surge o botão.
E desabrocha em latentes e febris tensões, comichões, calores nítidos e plenos de sensações pulsantes. Toda flor que desabrocha quer ser deflorada ou pelo vento que passa, ou pelos dedos firmes da mão que rija acolhe, pela abelha que suga o mel ou pelo chão que nutre a força.
Cor, coito e vibração segue a semente gozando e florindo seus dias, sedenta e cheia de erupções sua seiva transborda pulsante o aroma orgiástico, enamorado e primaveril. Fecunda solos pelo vento, poliniza tudo que outrora fora devastado, multiplica-se em gozos caleidoscópicamente fulgurantes para aos poucos ir-se esvaindo, murchando, apodrecendo.
Então transforma-se, aduba o solo e espera furacões.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

"Fosse eu quem partisse..."

"A vida é a arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida"
Samba da Benção
, Vinicius de Morais

fosse eu quem partisse:
escreveria
em teus espelhos
a despedida em carmim

se fosses tu a partir:
embeberia
o carpete de meu quarto
com teu perfume para que
a despedida fosse um
pouco a pouco e pouco

mas porque foi a vida
a nos partir
em dois e os corações:

deixo-te
em silêncio desesperado
enquanto tu
me deixas somente lembranças
sem felicidades ou adeus.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cadência




"Comprei a casa de um amor, sem estar na posse dela;
vendida embora me ache, possuída não fui ainda."


(Julieta cena ato III cena 2)
Dancing couples - Ivan Koulakov



Vai longa noite,
vai ao encontro
de sonhares noturnos vãos,
fonte sibilante de horas ausentes,
amansa
a saudade silente.
Volta!
Volta,
pela madrugada
alma prudente
que a falta da lágrima prestante
seca a retina
nebulosa
dos meus olhos cadentes
torna vã a suplica
latente
de um louco amante enfermo,
febril e
descrente.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O que não é o que não pode ser

Das flores que ainda não colhi, dos beijos que nem se quer vou provar, dos trabalhos que não são pra mim, das provas que já reprovei, das que me reprovarão, da falta de vontade de prosseguir, da incerteza do caminho que vou trilhar, da lágrima que teima em não cair, do cabelo que finjo não cortar.
De todas as situações que eu não quero me livrar, dos problemas que não quero resolver, da existência que não florescerá, dos amigos que não fiz, dos amigos que não vi, dos que não pedi, dos remédios que não tive coragem de tomar, do pessimismo que tento me livrar, dos rumores do coração que não terminei.
Das provas, dos trabalhos, dos ritos
do que me impede
do que me pesa
do que me esmorece
do que me desencoraja
do que não consigo escrever
do que não tenho motivo pra falar
daquilo que não acontece
da vida que não é pra mim
da vida que não vivi
da idéia de vida
da imagem subjetiva da vida
da imprecaução da felicidade
da não felicidade
do medo
do erro
do medo do erro
da possibilidade
da negativa
do não
da desistência de mim.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

"da tua boca..."

da tua boca
recebo: o gosto e o desgosto
com ela me degustas e
dela, jamais ouço
o que gostaria ouvir;
mas se vens
assim
mansinho
também me calo
e sufoco
e deixo morrer
(quentinho no peito, en-
quanto me entrego)
a minha vontade
do teu gostar;
pois se de mim levas o gosto
e me provas
sem nunca
gostar de mim,
outros sabores há
que me provem
e me levem
e me deixem
e se deixem
onde tu, jamais, ousaste tocar.

terça-feira, 13 de julho de 2010

"saudades de quando..."

saudades de quando eu jamais fôra tua...
meu corpo era o templo
o sexo, um rito
e não se havia criado este dogma chamado Amor.

domingo, 11 de julho de 2010

Voltas

teu regresso
é sempre despedida

prenúncio da partida
o começo do fim

cansei deste folhetim
fecho a última porta

tudo o que importa
é curar esta ferida

some de minha vida
não é muito o que te peço


"O sândalo perfuma o machado que o feriu"

sexta-feira, 9 de julho de 2010

São quase oito

Em meio a instrumentos, ferramentas individuais, músicas e supostas poesias me vejo aqui perdido.
Olho o meu irmão, vejo o nosso fazer e não encontro sentido em prosseguir.
Para onde levaremos essas individualidades escatológicas? Para qual lugar essa prática nos leva, o que nos transforma e o que nos trespassa?
Não sei.
Talvez eu suponha que seja a simples vontade de mostrar-se, a felicidade momentanea do "eu sei", a concubinação do eu pela imagem oca que a gente produz e pelo prazer falso do aplauso vazio e sem sentido do final.
É dificil optar pelo "não sei", pela descoberta e pelo coletivo.
E afinal de contas o que é o coletivo? Como eu comungo com o meu irmão?
Estamos tão perto e ao mesmo tempo dispersos, somos amplos mundos que não se influenciam, que não trocam e em nada se completam.
São quase oito e eu almejo o fim dessa angústia chamada ensaio.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Conversa de passarinhos.

Sua voz quando ela canta me lembra um pássaro,
mas não um pássaro cantando: lembra um pássaro voando.”
Ferreira Gullar


Meu olhar procurou conforto na arvrinha onde mora um passarinho, mas ele não teve companhia.
Ah, Essa vida é um breve desconforto permanente.

Por que não amantes?
Por que não amores?

Meu olhar ficou voando com ares de pintassilgo e tristezas de sabiá.


quinta-feira, 1 de julho de 2010

Das observâncias

São duas as coisas que observamos à distância:
- as que tememos, como as feras selvagens;
- as que desejamos alcançar, como o horizonte.

set/2007

sábado, 19 de junho de 2010

Poema

Enfim, um poema limpo
sem vísceras
nem lágrimas
sem saliva
nem gozo
só o poema
sem poesia.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Entremeio

Modo de usar: lê em sussurros...
 
Victoria Abril e Antonio Banderas em "Ata-me!" de Pedro Almodovar.

Para R. H. S.


Queria encontrar o fio e desfazer a trama que todo dia se emaranha no meu coração. Refazer o novelo, desenrolar a novela sem mescla de drama. Vem. Ajuda-me neste enredo, tira de mim o medo de voltar pra tua cama. Desenlaça meus cabelos; qualquer bobice, exclama. Ata-me! neste ponto. Ensaia a cena, prepara o ato, enfrenta a chama. Lança as teias deste conto, escreve em mim o gosto de ser tua cortesã e tua dama. Vem. Aproxima o rosto, aperta os laços, dize que também me...

domingo, 6 de junho de 2010

Esse sentimento

"Ah, não acreditas em mim. Pois eu acredito na sua descrença e já penso em como parecer mais verdadeiro, em mostrar dados, fatos; esta aí: minha vida. Mostro-a com minhas duas pequenas mãos. Ainda não posso falar, porque toda essa correria me fez perder o fôlego.
Respira então criança.
Acredito nas pessoas e no poder de revelação delas, daí que surja sempre a desconfiança em mim. Estou sendo correto? - pergunto."
Mateus, O Antigo




Aprendi que não se diz "respira, criança" olhando nos olhos e pronunciando os fonemas de "respira, criança". Dizemos isso estendendo as mãos, tomando nos braços, beijando. É assim que se faz. Assim devemos fazer para que a criança confesse o vaso quebrado e não precise mais mentir, e perdoamos.

As crianças mentem o tempo todo e não é de maldade que o fazem. Eu minto às vezes e sei que você quase sempre duvida de mim. Digo que você deve mesmo duvidar, mas apesar da dúvida peço que confie em mim. Confie no amor que declarei assim: olhando nos olhos e pronunciando cada fonema de "eu te amo" - um "eu te amo" sufocado entre tantas outras palavras desnecessárias, erguidas como barreira entre a verdade enunciada e a realidade imediata.

Não acredite, porém, se sob a garoa fina eu pedir para que vá embora. Eu quero que fique. Eu quero você sempre perto e não sei por qual motivo. Não sei porque eu te amo e não acredite em nenhuma de minhas tentativas de explicação - eu não sei explicar e talvez não queira mesmo racionalizar esse sentimento. Não esteja tão certo de que quero ficar sozinha se por acaso eu voltar as costas - eu quero que impeça minha partida. Mas de tudo isso, e tantas outras coisas de que você pode duvidar, não duvide nunca de que eu te amo.

E se eu disser que não espero nada de você, duvide. Eu digo isso apenas para que você não se sinta constrangido; trata-se de uma resignação forjada - uma defesa contra esse peso tão pesado e disforme que é a esperança. Eu não espero nada de você, apenas que me surpreenda nesse meu querer. Não exijo nada de você, mas eu quero tanto...

Não sei se cabe ao amor dissipar a amargura que nasce na alma no infinito dos tempos, de um tempo que o homem nem ousa medir. Não sei se é preciso estar vazio para o amor se fazer pleno - isso é você quem diz. E se não fosse você a dizer, eu teria amado essas palavras? E se não fossem suas as palavras, eu te amaria tanto? Ninguém deveria se preparar para o amor, julgando que um dia estará pronto - porque amamos, plenos ou vazios, por tudo o que fazemos e dizemos. Eu te amo por tudo o que você faz e diz; te amo por tudo o que você quer fazer e dizer; te amo por tudo o que você não quer fazer ou dizer; por tudo o que silencia.

E também te amo pelo que eu mesma faço ou desfaço, digo ou apago, grito ou calo.

dez/2004

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Futuro Imperfeito

Antecipo o final:

Não de todo desperta, abrirei os olhos para o vulto ao pé da cama. Demoro a reconhecê-lo. Jamais o surpreendera assim, me observando. Talvez estivesse absorto entre ideias inóspitas; refletia, possivelmente, um futuro sem razão.

Voz doce, trêmula. Ar sóbrio em trajes negros. Luto pelo amor extinto.

- Não quero mais, Marcela.

- Tá bom...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

maria, Maria


(Ilustração de Camila Paulino)


Ou isto ou aquilo. Hoje sou Maria, não mais maria. Porque maria era aquela que quanto mais se pedia, mais e mais chovia. Infindáveis versos de Drummond me fizeram encharcar a alma com toda sorte de águas. Deus bradou um dom. Hoje existe apenas Maria; a que olhava e sorria: "Bom dia!". Nunca pude ser a mais bela,  mas conheço bem a altura de minha janela e sorrio: "Bom dia!". Também não sou a mais sábia menina - que essa guarda em seus olhos toda a dor do mundo e eu não sofro tanto assim. Tudo o que faço (e já fazia) é sorrir: "Bom dia!".

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Meus amores vãos

Em memória de Ísis Rodrigues



Suponho que me entender
não é uma questão de inteligência
e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.
Clarice Lispector


Não é o gosto pelo trágico, meu amor. É a aversão pelo que é metade.

Eu não queria ter abandonado sua cama sem me despedir, há alguns anos. Eu não queria ter feito você adoecer, há alguns meses. Eu não queria ter batido a porta do seu carro, hoje à tarde.

Eu queria que todo aquele amor em cânticos, tivesse se feito carne ao menos por uma noite para eu me sentir mais viva. Eu queria que aquele desejo demoníaco, se satisfizesse todos os dias de nossas vidas para eu me sentir eterna. Eu queria que você me lançasse palavras duras, ásperas, que expressassem a medida exata do seu desprezo por mim; para eu saber o meu lugar, para eu sentir que você está vivo.

Eu queria que você tivesse me resgatado; segurado firme a minha mão e não me deixasse fugir nunca mais: porque eu já não sei viver sozinha.

Eu queria que você tivesse me assassinado - docemente - na última noite, me punisse por toda a minha vileza: porque eu já não sei morrer sozinha.

Eu queria que você me curasse ou me ferisse: porque eu já não sei amar sozinha.

Eu queria que você, o que ainda me ama, fosse capaz de me desejar. Você que às vezes me deseja, fosse capaz me alcançar. Você que sempre me alcança, fosse capaz me amar.

Eu queria que vocês tivessem corpo, nome e voz.

Não, não quero nada - abismo e silêncio, talvez - mas que seja por inteiro.


*


Perdão, minha pretinha, por dedicar em sua memória um textinho tão mal escrito, cheio de rasgos sentimentais, feito no calor da hora - caneta bic em papel manchado de lágrimas. Mas pra além do sorriso mais bonito do mundo que você tinha, eu lembro de você recitando e se emocionando com o "Poema em Linha Reta" do nosso Álvaro de Campos. Lembro das palavras da Clarice que me serviram de epígrafe e que foram as últimas que você usou em seu perfil. Penso na blusa vermelha d' "O Teatro Mágico" que você usava quando toquei suas mãos frias pela última vez e eu sei, eu sei que "sou tão perto de você". Te amo. Esteja bem. Luz!

domingo, 23 de maio de 2010

"Não era preciso que dissesses..."



Não era preciso que dissesses dos precipícios. Tenho caminhado em derredor deles e, vez ou outra, mergulho. Mergulho num salto largo rumo ao que minha vista sequer alcança: não aprendi ainda a decifrar teus olhos. Sei que são duros como a rocha onde firmo meus pés, sei que são áridos como os vales de adiante. Não poderei cultivá-los como faço em meus jardins. Os jardins são espaços de artifícios que servem às minhas tentativas de enredar toda sorte de passantes. Apresento-lhes as cores e as fontes, mas, sabíamos desde sempre, eles são cegos. Esmagam as pequeninas flores a pés desnudos e partem; deixarão nestas terras senão um tanto de si. Resistem os penhascos e as selvas, permanecemos nós.